quarta-feira, dezembro 30, 2015

A lareira

Tão fresca era a terra
que te acolhia nas madrugadas,
sob  as oliveiras já corcundas
que te iluminavam o rosto
no suor dos dias passados,
o futuro das colheitas incertas.

Tão longínquo e breve foi o tempo
em que me davas as mãos e sorrias
mostrando-me a lua e as estrelas
e as flores do caminho orvalhadas
a sorrirem por entre uma nesga de sol.

Tão longínquo e breve  foi o tempo
dos musgos e das candeias acesas
sobre as paredes caiadas como neve
a faiscarem relâmpagos na noite.

Tão breve mas tão próximo o tempo
em que a lareira a crepitar
era o refúgio nos invernos glaciais
enquanto o vento assobiava lá fora
chispas de silêncios encapotados.

Texto
Ailime
Foto Google
30.12.2015

domingo, dezembro 20, 2015

É Natal


É Natal.

Lá fora olhares e  faces encovadas
deixam escorrer gotas de orvalho
geladas pela indiferença de quem passa.

As luzes, o alarido, a festa das compras
(de última hora num corre-corre desenfreado).
A noite  calada, fria, impiedosa
dos corações solitários aproxima-se.

Uma mão estendida num olhar côncavo
(onde cabe toda uma vida apática de rastos)
perde-se sob a arcada recôndita e sórdida do cais.

Na fogueira que me arde no peito
um aperto sangra-me a razão.
É hora de acordar e abraçar o meu irmão.
........... 

Ao longe, uma luz brilha.
Na gruta fria, envolto em trapos
eclode o Amor,
que abarca (abraça)  todos.
Feliz Natal!

Texto
Ailime
20.12.2015
Imagens Google



sábado, dezembro 12, 2015

Poesia de Graça Pires


Hoje, que não escuto o mar
fujo na crina de um potro livre,
sem jugo, em veloz cavalgada.
Tenho nos olhos um incêndio tangível
à luz que se quebra no galope
ágil e sonoro da fuga.
Irrompe sobre mim o perfil dos montes
que me diz a que distância deixei o mar.
Um odor de poeira impede-me de gritar.
Doeu-me a voz quando bradei,
sem fôlego, o verso de neruda:
quero inventar o mar de cada dia.

In: Uma claridade que cega
Graça Pires

sábado, dezembro 05, 2015

Cidade adormecida


Quando o orvalho da noite
abraça a solidão dos corpos
mergulhados no vazio
da cidade adormecida
o luar rasga o silêncio
e alonga-se como um relâmpago
 a crepitar labaredas.



Texto Ailime
Imagem Google
05.12.2015

terça-feira, novembro 24, 2015

No Outono ainda Primavera


Como folhas trespassadas pelo vento
 as minhas mãos abrem-se e deixam escorrer por entre os dedos
pequenos sóis suspensos nos galhos ainda viçosos das árvores,
que  reflectem na palidez da tarde
a insensibilidade do homem perante a natureza.

São imagens inesperadas que me dilaceram a alma
me corroem o pensamento,
me sobressaltam o olhar neste mundo cruel.

No Outono ainda Primavera
os ramos e as folhas  terminam o ciclo abruptamente.


Texto e foto
Ailime
24.11.2015

domingo, novembro 15, 2015

Urgentemente de Eugénio de Andrade

Urgentemente

É urgente o amor
É urgente um barco no mar

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos, muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer. 


Eugénio de Andrade, in "Até Amanhã" 

terça-feira, novembro 10, 2015

Mar de verão?


Mar de verão?
O mar não tem estação.
Tem a cadência das águas
nas marés vazas
ou no enrolar das ondas
que os pássaros sobrevoam
na sedução do olhar.




Texto e foto
Ailime (08.11.2015).
(Publicado aqui
 no próprio dia)

quinta-feira, outubro 29, 2015

Os lírios

Van Gogh

Tão longe a casa onde nasci.
No quintal um pouco acima
a oliveira e o baloiço
que subia mais alto que os pássaros
que voavam em bandos
(eram tantos, aos milhares)
e o morangueiro sobre o poço
a florir como rosas em botão.
 “Não tardará a maturar”, dizias.
Mais abaixo os lírios roxos
(tão belos que eram os lírios)
e o musgo como veludo a debruar o muro.
Entardeceram as horas no pátio da casa
e a luz quedou-se na janela cerrada.

Tão longe a casa onde nasci...

Texto
Ailime
29.10.2015
Imagem Google


sábado, outubro 17, 2015

Que se faça silêncio


Que se faça silêncio em teus ecos
E os ventos não te arrastem
Pelos bancos alagados dos jardins
Onde jaz a solidão das folhas

Que as tuas mãos, macias
Como musgo a revestir os muros
Se elevem até onde a luz se detém
Suspensa em pequenos galhos trémulos

Que os rios e os mares de algas imperfeitas
Deixem que os búzios regressem à praia
Onde outrora deixaste esculpida
A claridade dos gestos


Texto
Ailime
Imagem Google
17.10.2015

terça-feira, setembro 29, 2015

Torna-se necessário rescrever a canção

Torna-se necessário rescrever a canção
Mesmo que as mãos, em chamas,
Recusem o gesto, vacilante, da melodia.

Como os pássaros, que de asas feridas
Cruzam os céus em voos arrojados,
É urgente que os barcos ergam as velas
Na melopeia cadente da maré cheia.


Ailime
29.03.2015
Imagem Google

sexta-feira, setembro 18, 2015

É no outono

É no outono que a tua memória
Reacende em mim a saudade.

O rio escorre-me nas faces
O sabor amargo do mar
Como se um barco
Transportasse nas velas
Os ecos insondáveis do tempo.

No infinito apenas a luz
E as folhas a esvoaçar
Num misterioso rodopio
Me falam do teu silêncio
Envolto num estranho vazio.

Texto
Ailime
18.09.2015
Imagem Google

terça-feira, setembro 08, 2015

O resgate


Hoje os mastros não me falaram de outono
e  o sol irrompeu no horizonte, altivo.
O mar rasgou as marés e devolveu-me o sal
num barco repleto de ardis.
Na areia da praia uma ave ferida
aguarda o resgate, do nada.

Texto e foto
Ailime
08.09.2015

quarta-feira, agosto 12, 2015

Eu era rio e tua eras paz



Eu era rio e tua eras paz.
Desenhava-te no horizonte
Em círculos azuis como asas
Que o vento apenas traz
Quando as linhas se tocam
Em forma de folhas novas.

Enleamo-nos nas horas
Que só o tempo pode entender
Quando a luz das manhãs
Se prende nas tardes do ocaso
Ali… diante de nós.

Texto e foto
Ailime
28.04.2014
(Reposição)
(Vou fazer uma pausa no blogue. Até breve. Ailime)

terça-feira, agosto 04, 2015

Guardo na voz o silêncio

Van Gogh


Guardo na voz o silêncio
Das madrugadas em que desfiavas
Trovas que mascaravam
O sal das lágrimas
Que te sulcavam o rosto
Nas planícies cobertas de corvos.

Mas trazias na alma o sossego
Das tardes purpúreas do sol-posto
Que te amenizavam a noite
Que precedia a jornada.

De novo a labuta, a sobrevivência
O suor e as lágrimas
Dum tempo outro, impuro
Igual no sangue e verdade.


09.08.2013
Ailime
(Reposição)

sexta-feira, julho 24, 2015

Hoje é o dia

Tela de Cris S. Koester
Hoje é o dia em que as flores
nos afagam como se o mundo fosse só nosso
num recanto de jardim, que inventámos, suspenso.
Hoje é o dia em que adormecemos juntos à beira-mar
a contar as estrelas das vias lácteas
de universos ainda em embrião.
Hoje é o dia em que o amanhecer
se sobrepõe ao sol-posto
e esboça no mar, marés vivas de espanto.
Hoje é o dia, (não apenas mais um dia)
que como aves a rasgar as nuvens
nos sentimos livres como barcos. 

Texto
Ailime
24.07.2015

quarta-feira, julho 08, 2015

Quando no meu regaço vazio


Quando no meu regaço vazio
Abrigo o silêncio dos búzios
É como se o mar recuasse
Em perseguição do sol-posto.

Estendo o olhar ao infinito
E perscruto nas asas dos pássaros
O regresso das águas
Envoltas em manhãs de coral.

A luz antecipa-se às marés
E esboça nas velas dos barcos
Tons rasgados de aurora
A raiar o céu verde de espanto.

Ailime
 08.07.2015
Imagem Google


domingo, junho 21, 2015

Há nos desertos

Há nos desertos
Fustigados pela sede
Uma ausência de claridade
Que adormece as pedras
Inanimadas
Que perecem à sombra dos cactos.

Torna-se necessário
Sacudir as dunas
Na claridade das manhãs
Para que as flores se transformem
Na aridez das miragens
Em oásis de águas lúcidas.

Ailime
21.06.2015
Imagem Google

quarta-feira, junho 10, 2015

As palavras

Van Gogh
As palavras tantas vezes se me escapam
Como nuvens a bailar no horizonte
Onde lobrigo sílabas dispersas
Como pássaros errantes a sobrevoar
Campos dourados de searas ondulantes. 
E tal como nos sonhos imprevistos
Visíveis na claridade das manhãs
Deixo que as palavras tomem forma
E flutuem como silhuetas a hastear
Silêncios à deriva do sol-posto.

Texto 
Ailime
10.06.2015
Imagem Google


quinta-feira, maio 28, 2015

Passa o tempo


Tela de Megan Aroon Duncanson

Passa o tempo,
lesto como o vento
a rasgar as folhas do outono
e a enrolá-las nos meus gestos,
ébrios pelo fogo do sol-posto
a derramar nas marés
a alegoria das manhãs.


Ailime
2015-05-28

quarta-feira, maio 13, 2015

Deixa que a chuva


Deixa que a chuva banhe o teu rosto
E liberte todo o sal que te ensombra o olhar.
Deixa que as janelas se abram à luz
E te inundem a alma com o cintilar das estrelas.
Deixa que o mar ouça a tua voz
E te devolva a alegria numa nuvem de espuma.
Deixa que o vento te inebrie e fortaleça
Como uma flor a sorrir ao sol.
Deixa que o mundo conspire a noite
Mas tu dança, respira e abraça a manhã.


Texto Ailime
Para uma amiga
12.05.2015
Imagem Google

sábado, abril 25, 2015

Sonhei-te


Sonhei-te como pólen no chão adormecido
E abriguei-te no meu peito aberto ao vento
Qual noite a emergir na madrugada
Do silêncio a luz se fez espanto.

Como um véu abriste-te em amor
E deste-te em abraços e harmonias
Num só voo ainda entoamos
Alvorada em flor até ser dia.


Texto
Ailime
25.04.2015
Imagem Google

quarta-feira, abril 15, 2015

Ainda hoje não sei

Tela de Heinrich Vogeler
Ainda hoje não sei
o que te perturbava
quando repousavas
nos ombros
a solidão do mundo.

Um rio escorria-te nas faces
as margens
que o teu olhar ausente
absorvia em silêncio.

Ainda hoje não sei,
porque continuam estáticas
aquelas nuvens azuis
como pássaros sem asas
a pairar sobre os teus ombros.



Texto
Ailime
14.04.2015



quarta-feira, abril 01, 2015

Nas manhãs alvas

Tela de Hans Gude

Nas manhãs alvas
dos dias azuis
ténues os vestígios
das redes
que estendidas
sob os barcos
navegam fundo
os olhos do rio.
Nas margens
águas ondulantes
aprisionam o vento  
que afugenta os limos.
..............
Desejo a todos uma
FELIZ PÁSCOA!
Texto
Ailime
Imagem Google
01.04.2015

sábado, março 21, 2015

Quereria ser poeta


Quereria ser poeta
E entender a musicalidade
Das palavras interditas
Num livro por inventar

Quereria ser poeta
E projectar no horizonte
Asas flamejantes de pássaros
Abraçando o teu olhar

Quereria ser poeta
E sentir as sílabas soltas
Como as velas dum navio
Voejando em alto mar.

Quereria ser poeta
Para albergar no poema
Desnudado de preconceitos
A lucidez do amor.

21.03.2015
Ailime
Imagem Google

quinta-feira, março 19, 2015

O teu nome


Enquanto as horas vazias
Do dia por acontecer
Me recordam as sombras
Seminuas das marés
O sol alastra no horizonte
A seara ondulante e cálida
Onde outrora o entardecer
Vazava no chão ardente
O teu nome em sal esculpido
Como cinzas a germinar.


Texto e foto
Ailime
19.03.2015

sexta-feira, março 13, 2015

«Entre mim e o mar»


Entre mim e o mar
ainda me causa espanto a madrugada.
Sempre diferente. Sempre idêntica.
Tons de mel, de romã,
de diamante, de milho seco.
Sopro de sal, de sangue, de limos.
E, por detrás das dunas, 
a respiração dos amantes
sobressaltando as aves.

Poema de
Graça Pires
In Espaço livre com barcos

Imagem Google

sábado, março 07, 2015

Amanhecer tardio



Mar encrespado
velas tombadas
e o sorriso da lua
a sobrevoar as marés
e a devolver-lhe a esperança.
Dobrado o cabo das tormentas
na praia deserta as ondas entoam
o que resta do naufrágio.
………
Uma brisa suave acorda-a
e a seu lado uma flor esquecida
ilumina-lhe o rosto
num amanhecer tardio.

Texto 
Ailime
07.03.2015
Imagem Google

O meu abraço a todos os homens e mulheres que sabem amar.


sexta-feira, fevereiro 27, 2015

Por vezes ouço um galo a cantar

Tela de Guillo Pérez
Por vezes ouço um galo a cantar.
Poderão achar estranho mas não é.
O campo entrou na cidade
pelas frinchas da varanda
da vizinha do sexto andar.
E ficarão a pensar:
mas que coisa sem sentido,
sem nada ter de poético.
No entanto para a vizinha
o galo no seu cantar
protege-a da solidão
num jardim onde há muito
as andorinhas rasgaram as asas 
e jazem feridas no chão.


Texto
Ailime
27.02.2015
Imagem Google

sábado, fevereiro 14, 2015

Na vertigem da nuvem

Sinto-te como se uma névoa
me desenhasse no corpo
a chama que crepita na alma
o tempo que demora
na vertigem da nuvem
que um dia originou
a fonte trazida do deserto
onde o oásis eras tu.
………………………………
As dunas ainda hoje
dançam ao som do vento
a música da chuva.

14.02.2014
Ailime
Imagem Google

quinta-feira, fevereiro 05, 2015

Desertos, silêncio


Desertos, silêncio e a ausência das sílabas
Nas palavras alcandoradas nas folhas
Secas pelo vento, na escassez das tardes
Abrigadas no sol-posto apressado das horas.

Por entre penumbras e escarpas agrestes
Apenas o chão exorta o alvorecer.


Texto e foto
Ailime
05.02.2015

quinta-feira, janeiro 22, 2015

O meu caminho


    O meu caminho é uma nuvem
    Que transporta um rio azul
    Que me fala da lonjura do tempo
    E do oásis onde um dia bebi da fonte
    O verdadeiro sentido das margens

    Não importa que as trevas envolvam
    As asas do meu viver
    E que transitoriamente
   A cegueira me estremeça na voz
   A precariedade dos voos

   Das sombras e da solidão dos mares
   Evado-me na vela de um barco
   (e o vento assola-me incessante)
   
   O meu caminho tem um farol
   Que sobrevoa as escarpas


  Texto e foto 
  Ailime
  22.01.2015


terça-feira, janeiro 13, 2015

Como podem as nascentes secar


Como podem as nascentes secar
A seiva do coração da terra
Se até as pedras parecem ter alma
Quando respiram os musgos
E sorriem à luz por entre os muros
Na germinação das flores?


Texto e foto
Ailime
13.01.2015


sábado, janeiro 03, 2015

Li-te na alma o poema


Li-te na alma o poema
E as palavras escorrem-me dos olhos
Como se o mar me sussurrasse
A brevidade do tempo.
Por vezes nem imagino
Como é cruel a viagem dos barcos
Com as velas rasgadas pelos bicos dos pássaros,
Que te afastam sem dó para longe da praia.
Nem sequer posso imaginar
Quando nos confins desérticos do mundo
Percorres sem destino as marés
Submersas nos silêncios da lua.
Olho em redor e tantas sombras,
E tanto mar, tanto mar a afagar-me o olhar.


Texto e foto
Ailime
03.01.2015