terça-feira, março 29, 2022

O meu rio é azul



O meu rio é azul como o céu,

mas nem sempre viajo nas suas águas.

Os barcos há muito que estão atracados

e nem o vento os embala

como nos tempos remotos

da transparência das águas

e da abundância de peixe.

Os pássaros voejam nos choupos

e cantam sobre as escarpas

a claridade da primavera;

os barcos não se movem

e os peixes ausentes.

No lodo do rio, repousa

a insensatez do homem.


Texto e foto
Ailime
29.03.2022


quarta-feira, março 23, 2022

Entre a luz e as sombras.


William Turner


Se queres enfrentar o caminho

percorre-o pedra sobre pedra;

encontrarás muros e declives

e descansarás no chão molhado.

A tua sede será mitigada,

mas não declines o futuro

que aos teus olhos se antevê.

Uma espécie de pacto será

o espanto que te distinguirá

entre a luz e as sombras.


Texto
Ailime
23.03.2022

quinta-feira, março 17, 2022

Falta-me o chão

 


Falta-me o chão, esta não é a minha rua.

Subo e desço calçadas e escondo-me 

num vão de escadas.

Não sei como cheguei até aqui

Corri mais veloz que o vento

Tenho os sentidos adormecidos

Repouso o meu corpo cansado

O barulho é ensurdecedor

Ouço gritos, vozes roucas desesperadas

Parece-me ouvir um estrondo

Decerto estou a sonhar

Será um pesadelo?

Espreito a porta, quero acordar

Multidões fogem estarrecidas

Crianças ao colo, outras pela mão a chorar

Tenho fogo nos pés e voo

Não quero fugir, quero ficar aqui

Defenderei o meu chão

com cinzas na boca.

Mesmo com a alma mutilada

deixarei o meu corpo gravado

nesta terra que é minha.

 

Texto
Ailime
16.03.2022
Imagem
Google

sábado, março 12, 2022

Na busca incessante das manhãs

 Jetty, Sunset, Lake, Sky, Clouds, Reflection


À noite quando as sombras pairam sobre escombros
e dentro de ti o vazio te cala na voz o silêncio
ouve-se ao longe o som do mar em burburinho
como se fora um cântico que os deuses cogitam
para amainar as tempestades das asas dos anjos.

Relâmpagos de marés alumiam-te na escuridão
perpetrando um concerto de vozes maviosas
a bailar sobre nuvens em voos desordenados
na busca incessante das manhãs.


Texto
Ailime
09.01.2020
Imagem Google

sábado, março 05, 2022

O poema nunca está completo


Gustav Klimt


O poeta é um caçador insaciável de
emoções, que lhe brotam  da alma
como a nascente do rio
que desliza suavemente pelos socalcos
da montanha, a perder de vista.
O poema nunca está completo.
Há uma sede de palavras
que não se mitiga em qualquer fonte.
As palavras têm asas que buscam
silêncios, sorrisos, alegrias, amor,
mergulhados no mais profundo do âmago.
O poeta e a poesia estão em constante
conflito de ideias e ideais, 
porque o poema nunca está completo.
O poema necessita ser cinzelado,
afagado, como se fora uma escultura,
mas deixa sempre o caminho aberto
para uma nova fonte, uma nova sede,
uma nova emoção.  
O poema nunca está completo,
porque o poeta continua a existir
para além das palavras.


Texto
Ailime
05.03.2022