sábado, julho 30, 2022

Na solidão do lodo


Conhecia de perto todos os mistérios do rio.

De pedra em pedra percorria-lhe as margens

e desvendava o sabor das auroras quando as neblinas

o afagavam  ainda antes do refulgir do sol.

E estendia-lhe as redes.

Era um rio límpido, sem mácula, azul de tanto céu,

que brilhava no silêncio da lezíria

como se fora outro lugar onde o trigo ondeava.

Nada era tão puro como a transparência dos barcos,

onde saltitavam os pássaros para captar as presas

que quase afundavam o barco.

A faina era tão leve e a colheita tão farta...

.........

Hoje, apenas um velho barco carcomido,

na solidão do lodo.


Texto
Ailime
30.07.2022
Imagem Google


sábado, julho 23, 2022

Havia um oceano dentro dela



Havia um oceano dentro dela

de águas calmas, sem ondulação,

que mergulhava no silêncio das madrugadas

e na paz do entardecer.

Os barcos navegavam à tona

rodeados de corais verdes e azuis

que a cerceavam nas  noites

em que as marés fitavam a Lua

e o luar a cingia meio tímido.

Nestes momentos a presença de Deus

tomava-lhe as emoções e o silêncio

era apenas brisa refrescante

numa praia invisível.


Texto
Ailime
23.07.2022
Imagem
Google



sábado, julho 16, 2022

Sobre o chão da terra desolada




Nas palavras, nem sempre o vento escreve o que quer.

À deriva, procura nos lugares recônditos, a luz 

que parece obscurecida pelas sombras das florestas,

onde outrora surgiam mananciais e hoje o fogo alastra.


Não há forma de escolher entre as chamas e o vento

o lugar das palavras que parecem afogadas nas cinzas.

Não há hora para ouvir a voz calma do vento e  a placidez

das chamas, dissimuladas pela ironia do vento.


Não chegou ainda o tempo de o Homem despertar

para a imagem que cada vez mais vai dizimando

as palavras que o vento espalha

sobre o chão da terra desolada.


Texto
Ailime
16.07.2022
Imagem Google






sábado, julho 09, 2022

Não sabia defender-se dos imprevistos


(Desconheço o autor)


Não sabia defender-se dos imprevistos.

Seus lábios calavam a dor do desconhecido.

O seu coração continha as emoções

que tentava segurar entre os dentes

e, as suas mãos, trémulas, prendiam a esperança

que teimava em arredar-se de si.

O sorriso tinha adormecido no seu rosto cansado.

Assim acordou a madrugada

com a notícia que tardava.

Os pássaros voltaram a voar

e a fazer ninho no seu peito.


Texto
Ailime
09.07.2022
Imagem Google

sábado, julho 02, 2022

Na solidão do vento

Erick Alves

Na solidão do vento encontro-me com o amanhã.

Os meus braços abrem-se como ramos de árvores

a baloiçarem-se num ritmo frenético

como se o outono surgisse no meio das folhas

que vão caindo amarelando o chão.


Nos muros já não brilham as glórias da manhã

que, ressequidas, apenas das hastes a lembrança

dos eflúvios que  aromatizavam  o meu ser

que agora preenchem um pacto de silêncio.


Não distingo nas sombras do vento

a claridade dos dias e os sons do alvorecer.

Apenas um pássaro veloz, indiferente à minha sede,

traça no céu as cores da primavera.


Texto
Ailime
01.07.2022